Stafin & Carvalho

A Reforma Tributária, ao criar o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), vai muito além de uma simples reorganização tributária. Ela altera a estrutura de como as empresas negociam, formam preços e se relacionam juridicamente. O novo modelo de não-cumulatividade plena e a adoção do split payment impõem uma lógica que conecta diretamente o cumprimento fiscal à execução contratual.

Por isso, revisar contratos empresariais deixou de ser uma recomendação — tornou-se uma medida necessária para garantir segurança jurídica, evitar glosas de crédito e preservar margens operacionais.

 

Por que revisar contratos empresariais agora

No modelo atual, o crédito tributário nasce no momento da emissão da nota fiscal. Com a Reforma, isso muda: o crédito de IBS e CBS só será liberado quando o débito do fornecedor for efetivamente quitado. Ou seja, se o fornecedor deixar de recolher o imposto, o comprador perde o direito ao crédito.

Essa nova dinâmica cria um elo direto entre o cumprimento fiscal e o desempenho contratual. Uma falha de qualquer parte da cadeia — ainda que por erro técnico — pode gerar prejuízos tributários. Por isso, os contratos precisarão refletir responsabilidades claras sobre quem recolhe, quando e como o imposto é pago.

 

Pontos centrais na adequação contratual

A revisão contratual deve ir além da simples atualização de cláusulas genéricas. Ela precisa reavaliar aspectos econômicos e operacionais da relação entre as partes.

Um primeiro ponto é o modelo de negócio. Com a não-cumulatividade plena, operações antes desvantajosas, como terceirização e BPO, tendem a se tornar mais viáveis, já que o “pênalti fiscal” sobre múltiplos prestadores desaparece. Em contrapartida, aumenta a necessidade de controles contratuais, pois a responsabilidade tributária se estende pela cadeia de fornecimento.

Outro aspecto crucial são as cláusulas de preço e neutralidade tributária. O preço contratual precisará refletir o impacto líquido dos créditos tributários. É recomendável definir no contrato uma metodologia clara que diferencie o que pode ser creditado do que constitui custo real. Essa clareza evita disputas sobre reajustes e sobre o repasse de variações tributárias.

O split payment também exigirá atenção especial. Como o tributo será retido e recolhido diretamente no pagamento, o contrato deve definir de forma precisa:

  • quem é responsável pelo recolhimento em cada operação;
  • como proceder em casos de estorno, devolução ou cancelamento;
  • e quem responde por falhas de sistema ou erros de integração fiscal.

Essas previsões serão essenciais para prevenir conflitos e garantir o funcionamento correto dos fluxos financeiros.

Por fim, é importante que o contrato estabeleça uma matriz de riscos e responsabilidades. Se a glosa de crédito ocorrer por erro do fornecedor, é ele quem deve arcar com as consequências; se o problema surgir por conduta do comprador, a responsabilidade será dele. Essa distribuição de deveres, embora já comum em contratos empresariais, ganha novo peso com o sistema de tributação automatizada.

 

Cláusulas indispensáveis

Algumas previsões contratuais passam a ser praticamente obrigatórias na nova realidade. Entre elas:

  • Cláusula de neutralidade tributária, para evitar desequilíbrios econômicos causados por mudanças nas regras de crédito.
  • Cláusula de conformidade fiscal, obrigando as partes a manter regularidade no recolhimento de IBS e CBS.
  • Cláusula de split payment, que discipline a operacionalização do recolhimento fracionado.
  • Cláusula de revisão ou transição, permitindo ajustes durante o período em que o sistema antigo e o novo coexistirão (até 2033).

Essas previsões não apenas previnem litígios, mas também demonstram diligência das partes diante do novo cenário normativo.

 

Impactos práticos e novos desafios

A adequação contratual à Reforma Tributária exigirá uma atuação integrada entre os setores jurídico, fiscal e contábil das empresas. O compliance tributário passa a depender tanto da regularidade documental quanto do conteúdo dos contratos que regem cada operação.

Para os profissionais do Direito, esse movimento representa um novo campo de especialização. A revisão contratual preventiva e o mapeamento de riscos fiscais se tornam atividades estratégicas. Será essencial compreender o funcionamento da plataforma digital da Receita Federal, que cruzará dados de notas fiscais, pagamentos e tributos em tempo real.

 

Conclusão

A Reforma Tributária inaugura uma nova fase para o Direito Empresarial e Tributário. A partir dela, contratar e recolher tributos se tornam dimensões inseparáveis de uma mesma operação.

Revisar contratos não é mais mera formalidade: é medida de proteção patrimonial e de eficiência fiscal. Quem se adiantar a essa transição sairá na frente — garantindo neutralidade, previsibilidade e segurança jurídica em um ambiente cada vez mais digital e fiscalmente transparente.