
A promulgação da Lei Complementar nº 214, de 2025, trouxe mudanças estruturais ao sistema tributário brasileiro. A proposta foi apresentada como um avanço rumo à simplificação e à modernização da tributação sobre o consumo. No entanto, para os trabalhadores autônomos, os efeitos práticos da reforma têm se revelado desfavoráveis. Ao invés de inclusão e estímulo à regularização, a nova legislação pode inviabilizar a continuidade da atividade autônoma exercida na forma de pessoa física.
Carga tributária elevada e ausência de tratamento específico
O novo modelo mantém, e em alguns casos intensifica, a carga tributária suportada pelos profissionais autônomos. Destacam-se os seguintes pontos:
- A tributação de até 27,5% de Imposto de Renda da Pessoa Física sobre os rendimentos;
- A contribuição previdenciária do autônomo é de 11% quando presta serviços para pessoa jurídica, observando o teto do INSS;
- Quando os serviços são prestados a pessoas físicas, a contribuição previdenciária é de 20%, também limitada ao teto do INSS;
- Existe ainda a possibilidade de o contribuinte optar por recolher 11% sobre o salário-mínimo, desde que preste serviços exclusivamente a pessoas físicas. Contudo, essa forma reduzida de contribuição implica a renúncia a benefícios previdenciários mais amplos, como aposentadoria por tempo de contribuição e aposentadoria por invalidez com valor superior ao mínimo.
Essa sistemática de contribuição foi integralmente mantida pela Reforma Tributária.
Introdução do IBS e CBS, e o impacto financeiro direto
A Reforma extinguiu tributos como PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, substituindo-os por dois novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal.
A principal crítica reside na alíquota conjunta desses dois tributos, estimada em aproximadamente 28%. Apesar de a sistemática não permitir cumulatividade formal, o trabalhador autônomo tende a não gerar créditos suficientes para compensação. Isso ocorre porque, em regra, ele presta serviços e não adquire insumos tributáveis, o que impossibilita o aproveitamento de créditos.
Na prática, a tributação acaba se tornando um custo final e não recuperável, o que agrava ainda mais o ônus da atividade. Para um profissional que já arca com IRPF e INSS, a inclusão da CBS e IBS nesse patamar percentual pode tornar a atuação como pessoa física economicamente insustentável.
Falta de isenções e raras exceções
A legislação aprovada não prevê isenções ou regimes específicos para trabalhadores autônomos, salvo para categorias muito pontuais. Um dos poucos grupos beneficiados pela regra atual são os caminhoneiros autônomos, que continuam podendo emitir nota fiscal com direito à apuração de créditos de IBS e CBS.
Para as demais atividades — como prestadores de serviços técnicos, operacionais, administrativos, artísticos ou de cuidados pessoais — não há qualquer previsão de alívio fiscal ou regime diferenciado, o que demonstra um evidente descompasso entre a realidade do mercado de trabalho e a sistemática de tributação proposta.
Caminho forçado à formalização
Diante do aumento expressivo da carga tributária, a atuação como autônomo pessoa física tende a se tornar inviável. O profissional que quiser manter-se em situação regular precisará buscar alternativas, como:
- A formalização como Microempreendedor Individual (MEI), desde que a atividade e o faturamento se enquadrem nas normas legais;
- A constituição de pessoa jurídica para adesão ao Simples Nacional, com a sujeição às obrigações acessórias e ao recolhimento unificado de tributos;
- A possível regulamentação futura da figura do nanoempreendedor, que ainda carece de definição legal, mas já vem sendo discutida como solução intermediária.
Embora esses caminhos ofereçam alíquotas menores e maior previsibilidade, nem todos os profissionais possuem condições técnicas ou financeiras para formalizar uma empresa, o que pode resultar em retração da atividade, migração para a informalidade ou exclusão econômica.
Conclusão
A Reforma Tributária representa um avanço no desenho institucional do sistema tributário nacional, mas deixa à margem uma parcela expressiva dos trabalhadores brasileiros. A ausência de medidas específicas para os autônomos, somada à imposição de alíquotas elevadas sem possibilidade de crédito, compromete a viabilidade de uma atuação que, até aqui, era legítima e reconhecida pelo próprio ordenamento jurídico.
Em um cenário de insegurança fiscal e aumento do custo da regularidade, torna-se fundamental que os profissionais autônomos busquem orientação contábil e jurídica para avaliar o melhor regime de atuação. Também é essencial acompanhar as futuras regulamentações complementares, que ainda poderão mitigar os impactos negativos e preservar a diversidade de modelos de trabalho no país.
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