A Reforma Tributária, instituída pela Lei Complementar nº 214/2025, vem promovendo mudanças estruturais no sistema de tributos sobre o consumo. Entre os diversos pontos de atenção, um dos mais relevantes, especialmente para quem atua com holdings patrimoniais, investimentos e planejamento societário, é a possibilidade de tributação nas operações de integralização e devolução de capital com bens.
Embora essas operações tradicionalmente não fossem alcançadas por tributos sobre o consumo, a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) amplia significativamente a base de incidência, gerando novas discussões sobre seus efeitos práticos.
O tratamento atual
Na sistemática vigente até a implementação da Reforma, a integralização de capital, quando o sócio transfere bens para compor o capital social de uma empresa, e a devolução de capital, quando há a restituição de bens ao sócio, não sofrem a incidência de ISS, ICMS, PIS ou Cofins.
Essas operações são tratadas apenas sob o aspecto do Imposto de Renda, uma vez que podem representar alienação patrimonial. Assim, até então, a análise tributária se restringia à apuração de eventual ganho de capital, sem reflexos nos tributos sobre o consumo.
O que muda com o IBS e a CBS
Com a instituição do IBS e da CBS, o cenário muda substancialmente. Ambos os tributos têm base de incidência ampla, alcançando, em regra, toda transmissão onerosa de bens e serviços.
Essa amplitude levanta a dúvida: as operações societárias envolvendo bens, como a integralização e a devolução de capital, passam a ser tributadas?
A regra geral e a exceção da LC 214/2025
A própria Lei Complementar nº 214/2025 buscou tratar do tema ao prever, em seu artigo 6º, inciso IV, que não incidem IBS e CBS sobre a integralização ou devolução de capital em bens.
No entanto, há uma exceção expressa e de grande relevância prática: se o bem transmitido, quando adquirido pela pessoa jurídica, deu direito a créditos de IBS ou CBS, a operação de transferência poderá sim ser tributada.
Em outras palavras, a não incidência deixa de ser absoluta. O benefício fiscal dependerá da origem do bem e da existência ou não de aproveitamento de créditos na sua aquisição.
Exemplo prático e implicações
Pensemos em um cenário comum: a integralização de um imóvel em uma holding familiar. Caso o imóvel tenha sido adquirido com direito a crédito de IBS/CBS, o que será mais comum em bens afetos à atividade empresarial, a sua integralização no capital social poderá ser considerada uma transmissão tributável.
O mesmo raciocínio se aplica à devolução de bens a sócios, especialmente quando a restituição é feita a uma pessoa física. Nessas hipóteses, a operação pode gerar a incidência de IBS e CBS, impactando diretamente o custo tributário de reorganizações e planejamentos patrimoniais.
Por outro lado, as operações de fusão, cisão e incorporação continuam protegidas pela imunidade prevista em lei, permanecendo fora do campo de incidência dos novos tributos.
Impactos para holdings e investidores
Para quem atua com holdings familiares, a mudança merece atenção redobrada. A tributação ou não dessas operações passará a depender de três elementos principais:
- a origem do bem, se adquirido com ou sem direito a crédito
- o aproveitamento de créditos de IBS/CBS pela pessoa jurídica
- o perfil do sócio, se pessoa física ou jurídica
Cada combinação desses fatores pode gerar um resultado tributário distinto. Por isso, o planejamento societário e tributário torna-se essencial para avaliar riscos e oportunidades, bem como para antecipar possíveis impactos antes de qualquer movimentação patrimonial.
Conclusão
A Reforma Tributária, ao instituir o IBS e a CBS, introduz uma nova lógica de incidência que atinge até mesmo operações tradicionalmente neutras sob o ponto de vista dos tributos sobre o consumo.
Ainda que a Lei Complementar nº 214/2025 preserve a regra geral de não incidência, a exceção relacionada ao aproveitamento de créditos cria um ponto sensível e de grande relevância prática para empresas, investidores e famílias que utilizam holdings como instrumento de gestão patrimonial.
Diante desse novo contexto, revisar a estrutura societária e os registros de aquisição de bens passa a ser uma necessidade, e não apenas uma boa prática de governança. Entender a origem dos ativos e o histórico de créditos vinculados a eles será fundamental para evitar surpresas tributárias com a chegada do novo sistema.

