Stafin & Carvalho

A pejotização, embora amplamente utilizada no mercado brasileiro como alternativa de contratação, permanece no centro de intensas discussões jurídicas e fiscais. Trata-se da prática de contratação de pessoas físicas por meio da constituição de uma pessoa jurídica (PJ), com o objetivo de prestar serviços de forma continuada, mas sem vínculo formal de emprego. O tema desperta atenção não apenas na esfera trabalhista, mas, sobretudo, na tributária, em especial no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

O que é o CARF?

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) é um órgão integrante do Ministério da Fazenda responsável por julgar disputas entre contribuintes e a Receita Federal em matéria tributária. Ele analisa casos relacionados à cobrança de tributos federais, como IRPJ, CSLL, PIS, COFINS e contribuições previdenciárias, quando há questionamentos sobre autuações fiscais.

Em outras palavras, é no CARF que empresas e pessoas físicas discutem a legalidade de cobranças tributárias contestadas antes que a questão vá para o Judiciário. O órgão é formado por conselheiros representantes do Fisco e da sociedade (confederações e entidades de classe), o que lhe confere um caráter paritário e técnico.

No tema da pejotização, o CARF tem papel fundamental ao analisar se as relações firmadas por meio de pessoas jurídicas são legítimas ou se configuram tentativas de disfarçar vínculos empregatícios para reduzir encargos tributários e previdenciários.

O que é a pejotização e por que ela é polêmica?

A pejotização se configura quando um trabalhador é compelido — ou incentivado — a abrir uma empresa para prestar serviços de forma exclusiva ou predominante a um único tomador. Ainda que a relação formal ocorra entre duas pessoas jurídicas, o conteúdo da relação pode revelar uma típica subordinação empregatícia: pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação direta.

Do ponto de vista empresarial, essa prática visa, muitas vezes, à redução de encargos trabalhistas e previdenciários. No entanto, do ponto de vista jurídico, ela pode mascarar uma fraude à legislação do trabalho e à tributação sobre a folha de salários.

A atuação do CARF: entre a forma e a substância

A jurisprudência do CARF não é uniforme, mas há uma tendência crescente de se adotar o princípio da prevalência da substância sobre a forma. Em outras palavras, não basta que a contratação tenha sido formalizada por meio de uma PJ. É necessário analisar se, na prática, os elementos da relação jurídica refletem uma verdadeira prestação autônoma de serviços, ou se configuram uma típica relação de emprego.

Quando o CARF desconsidera a pessoa jurídica

O CARF já decidiu, em diversos casos, que quando a empresa contratante exerce controle direto sobre o prestador, impõe horários, metas, utiliza estruturas da empresa e mantém relação de dependência econômica com um único contratante, há indícios claros de relação empregatícia disfarçada.

Nesses casos, a Receita Federal autua a empresa por deixar de recolher as contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de pagamento. O CARF, então, pode manter essas autuações, reconhecendo que houve uma simulação contratual para fins de elisão fiscal indevida.

Elementos analisados pelo Fisco e pelo CARF

Alguns critérios frequentemente observados nos julgamentos do CARF sobre pejotização incluem:

  • Exclusividade: o prestador trabalha apenas para um contratante?
  • Subordinação: há ordens diretas, controle de horários e metas?
  • Pessoalidade: o serviço é prestado sempre pela mesma pessoa, sem possibilidade de substituição?
  • Estrutura organizacional: o prestador utiliza equipamentos, sistemas ou espaço físico da empresa contratante?
  • Dependência econômica: os rendimentos são quase integralmente oriundos de um único tomador?

Quanto mais presentes esses elementos, maior a chance de o CARF reconhecer a existência de vínculo empregatício disfarçado e, portanto, confirmar a autuação fiscal.

Riscos e cuidados na contratação de PJs

A desconsideração da formalidade contratual pode gerar significativos passivos para a empresa, incluindo: cobranças de contribuições previdenciárias com multa e juros, execução fiscal, inscrição em dívida ativa, e penalidades por descumprimento de obrigações acessórias como GFIP e eSocial. Há ainda o risco de reconhecimento de vínculo empregatício na Justiça do Trabalho, com reflexos trabalhistas relevantes.

Empresas que adotam a pejotização de forma sistemática e sem critérios podem ser alvo de fiscalizações mais rigorosas e até responder por ações civis públicas por fraude trabalhista.

Para reduzir esses riscos, é essencial que a contratação de pessoas jurídicas observe a real autonomia do prestador. Isso inclui:

  • Contratos bem estruturados, com cláusulas que evidenciem a independência técnica e organizacional do prestador;
  • Ausência de subordinação hierárquica ou controle direto das atividades;
  • Remuneração vinculada à entrega do serviço contratado, e não ao tempo dedicado à atividade;

A conformidade entre forma e substância da relação é o que garante segurança jurídica e evita a reclassificação da prestação de serviços como vínculo empregatício disfarçado.

Considerações finais

A pejotização, quando utilizada de forma indevida, pode ser considerada uma fraude à legislação trabalhista e tributária. O CARF vem reforçando a necessidade de observar a realidade da relação jurídica, indo além das aparências contratuais. Para as empresas, isso exige cautela e planejamento. O uso de pessoas jurídicas para prestação de serviços deve refletir, de fato, uma relação autônoma, e não a dissimulação de uma relação de emprego.

O cenário exige um olhar atento e multidisciplinar, envolvendo os setores jurídico, tributário e de recursos humanos, para garantir a legalidade e a segurança das contratações.

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